quarta-feira, 27 de abril de 2016

Sete Dias de Tortura - 7 de 7

Como último capítulo da série, quero trazer mais alguns depoimentos de tortura em texto, outros em vídeo e uma explanação a respeito do principal argumento dos defensores dessa ditadura.

Vamos começar com os depoimentos:

Sobe depressa, Miss Brasil’, dizia o torturador enquanto me empurrava e beliscava minhas nádegas escada acima no Dops. Eu sangrava e não tinha absorvente. Eram os ‘40 dias’ do parto. Na sala do delegado Fleury, num papelão, uma caveira desenhada e, embaixo, as letras EM, de Esquadrão da Morte. Todos deram risada quando entrei. ‘Olha aí a Miss Brasil. Pariu noutro dia e já está magra, mas tem um quadril de vaca’, disse ele. Um outro: ‘Só pode ser uma vaca terrorista’. Mostrou uma página de jornal com a matéria sobre o prêmio da vaca leiteira Miss Brasil numa exposição de gado. Riram mais ainda quando ele veio para cima de mim e abriu meu vestido. Picou a página do jornal e atirou em mim. Segurei os seios, o leite escorreu. Ele ficou olhando um momento e fechou o vestido. Me virou de costas, me pegando pela cintura e começaram os beliscões nas nádegas, nas costas, com o vestido levantado. Um outro segurava meus braços, minha cabeça, me dobrando sobre a mesa. Eu chorava, gritava, e eles riam muito, gritavam palavrões. Só pararam quando viram o sangue escorrer nas minhas pernas. Aí me deram muitas palmadas e um empurrão. Passaram-se alguns dias e ‘subi’ de novo. Lá estava ele, esfregando as mãos como se me esperasse. Tirou meu vestido e novamente escondi os seios. Eu sabia que estava com um cheiro de suor, de sangue, de leite azedo. Ele ria, zombava do cheiro horrível e mexia em seu sexo por cima da calça com um olhar de louco. No meio desse terror, levaram-me para a carceragem, onde um enfermeiro preparava uma injeção. Lutei como podia, joguei a latinha da seringa no chão, mas um outro segurou-me e o enfermeiro aplicou a injeção na minha coxa. O torturador zombava: ‘Esse leitinho o nenê não vai ter mais’. ‘E se não melhorar, vai para o barranco, porque aqui ninguém fica doente.’ Esse foi o começo da pior parte. Passaram a ameaçar buscar meu fillho. ‘Vamos quebrar a perna’, dizia um. ‘Queimar com cigarro’, dizia outro.

ROSE NOGUEIRA, ex-militante da Ação Libertadora Nacional (ALN), era jornalista quando foi presa em 4 de novembro de 1969, em São Paulo (SP). Hoje, vive na mesma cidade, onde é jornalista e defensora dos direitos humanos.


Teve uma tortura que aconteceu na véspera do Sete de Setembro. Sei que foi esse dia porque a gente escutava o ensaio das bandas. Me levaram para uma sala com acústica de madeira. Tocava uma música de enlouquecer. Era um som como se estivessem arranhando a parede. A música foi aumentando cada vez mais. Quando eu saí de lá, minha cabeça estava latejando. Por pouco eu não enlouqueci. Lá no DOI-Codi, todo dia eu ia para o interrogatório, e as torturas eram de todas as formas, como na cadeira do dragão, e sempre nua. E eles ameaçavam as pessoas que a gente conhecia. Um dia me chamaram e eu vi o Paulo [Stuart Wright] encapuzado. Reconheci-o pelo terno que ele estava usando, que fui eu quem tinha dado para ele, e também pela voz. Os torturadores falavam muito das presas, ridicularizavam, gritando para você ouvir. Eram coisas libidinosas, como do tamanho da vagina de uma pessoa que eu conhecia. Uma vez, eles me chamaram para um interrogatório com um homem negro que diziam ser um psicólogo. Isso foi muito tocante para mim, porque é claro que chamaram um homem negro para eu me sentir identifi cada. Um dia, eles me chamaram no pátio e lá estava o satanás encarnado, o capitão Ubirajara [codinome do delegado de polícia Laerte Aparecido Calandra], apoiado num carro, e um outro ao lado dele em pé, e um bando de homens do outro lado. Ele me pôs para marchar na frente dele, para lá e para cá, para lá e para cá durante um bom tempo. E os homens falando: ‘Ô negra feia. Isso aí devia estar é no fogão. Negra horrorosa, com esse barrigão. Isso aí não serve nem para cozinhar. Isso aí não precisava nem comer com essa banhona, negra horrorosa’. E eu tendo de marchar. Imagine só, rebaixar o ser humano a esse ponto...

MARIA DIVA DE FARIA era enfermeira quando foi presa em 5 de setembro de 1973, em São Paulo (SP). Hoje, vive na mesma cidade e é aposentada.
Ele me disse: ‘Se você sair viva daqui, o que não vai acontecer, você pode me procurar no futuro. Eu sou o chefe, sou o Jesus Cristo [codinome do delegado de polícia Dirceu Gravina]’. Ele falava isso e virava a manivela para me dar choque. Ele também dizia: ‘Que militante de direitos humanos coisa nenhuma, nada disso, vocês estão envolvidos’. E virava a manivela. Havia umas ameaças assim: ‘Vamos prender todos os advogados de direitos humanos, colocá-los num avião e soltar na Amazônia’. Nos outros interrogatórios, eles perguntavam qual era a minha opção política, o que eu pensava, quem pagava os meus honorários, quais eram os meus contatos no exterior, o que eu pensava do comunismo. Para mim, fi cou muito claro que eles queriam atemorizar advogado de preso político. Havia uma mudança no tom das equipes. Eram três, e ia piorando. Durante o interrogatório da segunda equipe, eu levei uma bofetada de um e o outro me segurou: ‘Está bravinha porque levou uma bofetada?’. E os homens da terceira equipe diziam: ‘Saia disso, onde já se viu defender esses caras, gente perigosíssima, não se meta nisso!’. Eu estava formada havia menos de um ano, e trabalhava desde o segundo ano no escritório do advogado José Carlos Dias, defendendo presos políticos. Essa era a forma que eu tinha de resistir à ditadura militar, foi minha opção de participação na resistência. Eu fui presa sem nenhuma acusação, fiquei três dias lá sem saber porque estava presa. No terceiro ou quarto dia, eu descobri o motivo: teriam achado num ‘aparelho’ um manuscrito do Carlos Eduardo Pires Fleury, que tinha sido banido do país e que foi meu colega e cliente no escritório. Eu não fui das mais torturadas. Levei choque uma manhã inteira, acho que para saber se eu tinha algum envolvimento com alguma organização clandestina e paraque os advogados soubessem que não era fácil para quem militava.

MARIA LUIZA FLORES DA CUNHA BIERRENBACH era advogada de presos políticos quando foi presa em 8 de novembro de 1971, em São Paulo (SP). Hoje, vive na mesma cidade, onde é procuradora do Estado aposentada.
Trouxe alguns relatos, dos muitos (muitos mesmo) de pessoas que jamais pegaram em armas e foram também presas e torturadas, porque a perseguição era também ideológica, era de qualquer um que fizesse oposição de qualquer forma a esse "no mínimo" questionável, sanguinário e anti-democrático regime.

Para mais depoimentos sobre mulheres torturadas, clique AQUI.

Seguem alguns depoimentos em vídeo para que você possa olhar nos olhos das vítimas:

https://www.youtube.com/watch?v=L-u7-mq_U48

Muito se fala que o golpe militar foi, na verdade, um contragolpe face a uma conspiração para deflagração de um iminente golpe comunista. A verdade aqui precisa ser dita e quem pesquisar vai encontrar isso facilmente. Havia guerrilha no Brasil antes de 64? Havia. Assim como há hoje, certamente, um grupo de pessoas confabulando alguma revolução armada comunista, grupos de pessoas que defendem o nazismo, grupos de pessoas que defendem o poder branco, etc.

A pergunta que precisa se fazer é: Qual o tratamento a ser dado? Havia de fato algum risco que fosse de o Brasil passar por uma revolução comunista? Não! Isso é uma fábula. Apesar de o Brasil viver um momento de muita disputa política, a guerrilha no Brasil não tinha o apoio popular e era ínfima diante do poder de fogo do exército brasileiro e mesmo o presidente Jango jamais poderia ser considerado um socialista. Ele era um latifundiário gaúcho. Ele era um populista tal qual Getúlio Vargas era. O argumento de que o Brasil corria o risco de ser socialista e tão risível quanto o que usam hoje a respeito do PT transformar o Brasil num país socialista. Entre populismo e um regime ditatorial existe uma diferença muito grande. O que a ditadura fez foi fazer com que todo muito que discordasse do regime de alguma forma e quisesse lutar contra isso, sendo socialista ou não tivesse de ir para a clandestinidade e possivelmente até pegar em armas, já que os meios democráticos no país foram desmantelados. Se não era golpe, por que não se chamaram eleições com voto popular em 1965? Por que cassaram o direito ao voto? Por que censuravam os meios de comunicação? Por que ficaram no poder 21 anos?

Mas vamos lá, o que fazer com os guerrilheiros? Prendê-los nos termos da lei democrática, com direito de defesa! Isso é que precisava ser feito, dentro da democracia. Ao exército cabia não tomar o poder e sim garantir aos brasileiros a sua segurança. Não oprimi-los. A democracia precisa ser garantida até o último instante e indubitavelmente o golpe militar de 1964 foi uma ação desproporcional, violenta, antidemocrática e cruel. Usando de práticas de tortura, que é o mais baixo nível a que um governo pode chegar, que um ser humano pode chegar. A tortura é o retrato da maldade humana. Se você compactua dessas práticas depois de ler tudo isso que descrevi, você realmente não conseguiu compreender o que realmente aconteceu e quem foram realmente os torturados e mortos (TODOS) para além do que lhe ensinaram.

Agora eu peço pra que você novamente veja o vídeo dos torturados da ditadura. AQUI

E lembre das frases de Bolsonaro:

"O erro da ditadura foi torturar e não matar" - Aqui ele assume a prática da tortura.

"Se eu fosse presidente, terminava o trabalho que a ditadura não terminou e mataria pelo menos 30 mil, começando pelo FHC." - Aqui ele dá uma dimensão do que ele seria capaz de fazer

"O regime militar foi o melhor período de nosso país" - Ao dizer que o melhor período de um país foi uma ditadura, repressora e torturadora, esse homem entrega o seu caráter ao nível mais baixo. No mínimo, é uma pessoa em que eu jamais confiaria o destino de nosso país.

Pense nisso antes de apoiar esse cara. Não precisamos de mais ódio. Não precisamos de um desequilibrado sem limites para seus atos, que exalta um torturador no seu momento de maior audiência. Precisamos de alguém que saiba, pelo menos, entender a complexidade de nossa sociedade e do próprio ser humano. Ele definitivamente não merece ser presidente, nem mesmo deputado.

Diga NÃO a Bolsonaro. Faça campanha contra ele. Vamos virar de uma vez por todas a página mais triste da história do Brasil.

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