terça-feira, 27 de janeiro de 2015

Mudanças de opinião

Vocês já devem ter se deparado com uma situação em que você simplesmente desiste de um debate pois "nenhum dos dois vai mudar de opinião mesmo". Se você parar para pensar, é um absurdo lógico isso acontecer. O correto seria que se uma das partes apresentasse um argumento convincente, a outra reconhecesse que não tinha resposta para seu argumento e reconsiderasse sua opinião, ou, pelo menos, dissesse que precisava de um tempo para pensar melhor no assunto, ou humildemente reconhecesse que não tinha conhecimento suficiente para tratar desse assunto. Por que isso não acontece? Por que simplesmente resistimos com nossa opinião como se estivéssemos defendendo um castelo de um ataque? Quantas vezes nós já fizemos isso?

São diversos os meios pelos quais formamos nossas opiniões. Há aquelas que aprendemos em casa, por intermédio dos nossos pais. Aprendemos muito com nossos vizinhos, com nossos colegas de escola, professores, aprende-se na igreja, enfim, quase todas as nossas experiências deixam em nós uma marca de personalidade e de nosso modo de pensar. Quando crianças, aceitamos muita coisa. Somos uma esponja que absorve tudo ao nosso redor. Temos como referência principalmente nossos pais e professores, os adultos em geral oferecem-nos credibilidade, a TV também. Assim formamos um esqueleto de nosso modo de ser. Durante a adolescência nos tornamos um pouco mais rebeldes e passamos a questionar mais se alguma pessoa realmente sabe aquilo que ela alega saber. No entanto, continuamos precisando de uma referência, seja nos pais, na igreja, ou por muitas vezes nos amigos. Interessante que nesse momento da vida que estamos nos tornando adultos buscamos incessantemente definir quem realmente somos, qual a nossa personalidade. Nesse momento, a massa do cimento começa a endurecer. Opiniões fortes são sinais de maturidade. Você não aceita ser mais tão manipulável quanto antes. Perdemos um pouco a humildade nesse sentido. Como agravante a essa situação, temos o fato de nossa espécie padecer de um terrível defeito, o orgulho. Orgulhosos que somos, não gostamos nada de ficar por baixo e isso inclui vários aspectos da vida, inclusive os debates. É muito difícil para nós simplesmente dizer que não temos resposta para o argumento do nosso interlocutor. No calor do momento, tentamos desqualificar a pessoa, usamos argumentos escorregadios, vagos, frases de efeito, falácias óbvias. Por vezes arrumamos um jeito de encerrar a conversa para sair da situação desconfortável: "Tal coisa não se discute" diz aquele que não tem argumentos. Mudamos de assunto, desviamos o foco, obstruímos o debate, muitas são as técnicas para resistir. É a chamada postura defensiva. Outro fator agravante é a maneira arrogante com que muitas vezes o outro discorda de você. Quando isso acontece, nossa resistência natural a mudar de opinião aumenta ainda mais. Nesses casos, até quando percebemos que estamos realmente errados, recusamo-nos a reconhecer. É... Somos bem difíceis...

Parece-me que há duas razões que nos levam a agir dessa maneira. A primeira, como já falei, é o orgulho. A origem evolutiva dessa maneira de ser talvez venha de uma necessidade de autoafirmação. Para termos sucesso como espécie, precisamos confiar um pouco em nós mesmos, não? Faz sentido pra mim. A segunda razão é que algumas opiniões representam um alicerce muito importante na vida das pessoas, de tal modo que o próprio ato de colocar em questão essas opiniões causa um tremendo desconforto, suficiente para que mesmo que inconscientemente fujamos do assunto ou assumamos postura defensiva quando o mesmo está em pauta. Enxergo muito isso quando os temas debatidos são religião e política. Tanto um como outro costumam ter um peso enorme para que a pessoa possa definir quem ela realmente é. Desse modo, quando alguém de esquerda, por exemplo, tem suas ideias questionadas, é provável que ela sequer ouça bem os argumentos propostos. Ela simplesmente não pode correr o risco de mudar de opinião a respeito de um tema tão central em sua vida, isso a descaracterizaria. Não é simples para uma pessoa que ajudou a fundar o PT por exemplo, que levou talvez 20 ou 30 anos de sua vida lutando por uma causa, considerar que todo esse tempo estava do lado errado. Todos aqueles anos de sua juventude foram jogados no lixo? Só de pensar nisso, a pessoa sente arrepios, ela precisa sair desse território desconfortável, a angústia é grande demais. Assim, ela passa a apresentar em suas discussões os sintomas que apresentei no segundo parágrafo. Não é simples para uma pessoa que alicerçou toda sua vida na fé católica considerar que, de repente, tudo isso é uma grande mentira. O que ela provavelmente vai fazer é evitar considerar a possibilidade de mudar de opinião quanto a isso, vai buscar remendos argumentativos para tapar algumas lacunas, fingir que não está vendo outras lacunas que ainda estão abertas, tudo isso para que não seja necessária toda uma reestruturação de ideias que poderia facilmente levar a pessoa a uma profunda depressão. Gosto de usar uma analogia muito interessante que vi em um livro de Carl Sagan: É como uma pessoa que está sob um terremoto. É a sensação de duvidar do próprio chão em que está pisando. Deve ser horrível.

Outra coisa importante a levar em consideração é que na maioria das vezes não temos domínio sobre os assuntos sobre os quais emitimos opiniões. São tantos aspectos sobre tantos assuntos que é impossível conseguir tamanho repertório argumentativo. Por isso vejo pelo menos três tipos de opiniões: O primeiro é uma espécie de opinião por necessidade. Encaixa-se no que falei agora a pouco. Essa opinião é uma pedra fundamental em sua vida e questioná-la causa um grande alarde. Ex.: "A Bíblia é a fonte de toda a verdade". Outras opiniões podem ser consequência dessa como "Os homossexuais são uma abominação" e, por tabela, acabam sendo encaixadas também nessa categoria. Outro tipo de opinião que temos é a opinião por referência. Acontece quando adotamos como sendo nossa a opinião de outra pessoa que, na sua avaliação, não pode estar errada. Arrisco-me a dizer que aí está a grande maioria das nossas opiniões. Como disse, é muito difícil que saibamos tudo de tudo e, como aparentemente não gostamos muito de dizer que não temos opinião formada sobre um tema, assumimos como nossa uma opinião de uma pessoa ou mídia que para nós é uma referência. Por exemplo, a Veja, ou a Carta Capital emitiram opiniões distintas sobre o Marco Regulatório da internet. A maioria das pessoas não faz ideia do que é isso e de suas implicações, no entanto, elas acabam assumindo posições a favor ou contra baseado no que disse tal revista, ou tal colunista. Isso é muito comum. Na maioria dos casos a pessoa até se recusa a ler a opinião de outra mídia, prefere acessar apenas as mídias que lhe interessam. Muitas pessoas têm como referência os discursos do Malafaia, ou do Bolsonaro, ou do Lula, ou do papa, enfim, o fato é que na maioria das vezes, quando você vai ver, a pessoa não sabe realmente defender a sua posição com coerência quando confrontada com argumentos contrários e, mesmo assim, não arreda pé de sua opinião. Por fim, existem as opiniões por conhecimento de fato. São aquelas em que você realmente tem embasamento para defender suas posições com coerência. Você detém, de fato, em sua mente os argumentos necessários pra defender sua ideia. Parece-me que esse tipo de opinião é o que menos existe por aí, apesar de as pessoas mostrarem uma convicção incrível ao se posicionarem sobre diversos temas por aí.

É como se mudar de opinião fosse um sinal de fraqueza. As pessoas meio que têm vergonha de assumir que elas estavam erradas e as outras estavam certas. É uma "humilhação" pela qual elas não querem e não precisam passar. Basta que elas mantenham sua opinião intacta e pronto. Aparentemente elas não percebem o quanto parecem ridículas quando agem dessa maneira. Assim, discordar das coisas mais simples termina virando muitas vezes uma questão pessoal, de forma que, para evitar cicatrizes no bom convívio, as pessoas desenvolveram a cultura do não-debate. Pelo menos em grande parte dos círculos que frequento, essa cultura é bem difundida. As pessoas apresentam uma opinião pra você e logo em seguida dizem "é ou não é?". Você falar "não é" tem um peso de uma bomba de Hiroshima caindo sobre sua cidade. As pessoas te olham com espanto, elas não estão acostumadas a isso. Normalmente as pessoas simplesmente dizem "é" e pronto, alguns até chegam a interpretar a discórdia como desrespeito à opinião do outro. Creio que é extremamente prejudicial para nossa sociedade essa cultura do não-debate, pois entendo que é na discordância de ideias que conseguimos evoluir enquanto pessoas e assim ir aparando as quinas dos defeitos que nossa sociedade possui. Não imagino que possamos um dia chegar a um mundo perfeito, pois nós mesmos, seres humanos, somos imperfeitos, mas acredito que se existe por onde melhorar, o caminho é esse.

Então, eu defendo que ao nos deparar com opiniões contrárias, nós devemos nos posicionar no debate ao invés de nos omitir. É claro que há situações em que isso se mostra deselegante como quando a outra pessoa não está nem um pouco interessada em debater, dependendo da hora, do lugar, do clima, enfim, nesse caso forçar um debate é pedir para ser considerado um chato e para que o outro ative o nível máximo da sua postura defensiva. Por outro lado, se você busca se colocar de maneira respeitosa, na hora certa, quando sua opinião foi solicitada, suas chances (se é que há alguma) de conseguir talvez demover a opinião do outro são muito maiores. Fazer essa tentativa na hora errada, usando de ironia e de deboche, ao meu ver, só te faz parecer alguém que está tentando alimentar o próprio ego, pois essa postura em nada ajuda na mudança de opinião do outro, pelo contrário. Simplesmente é ineficaz se seu objetivo for angariar opiniões. Outra coisa: Por mais que seus esforços pareçam ter sido em vão em um debate, existe a chance de seu interlocutor apesar de resistente ficar com aquela "pulga atrás da orelha", assim, pode ser que ele não mude de opinião naquele momento, devido ao orgulho que sente, porém, pode ser que aquela mensagem fique e ele procure se informar mais depois, pode ser que ao se deparar outras vezes com a discordância, a pessoa termine convencendo-se, já que "água mole e pedra dura, tanto bate até que fura". Então, mesmo que você veja que a pessoa não mudará de opinião naquele momento, acredito ainda assim que vale a pena o debate respeitoso, nem que seja pra plantar a semente da dúvida na mente defensiva, no longo prazo talvez dê certo.

Pessoalmente, posso dizer que já pratiquei diversas dessas atitudes que mencionei nesse texto e não me orgulho disso. Tento me policiar para não praticá-las, mas não garanto que conseguirei sempre, pois entendo que, como ser humano, estou sujeito aos defeitos de minha espécie animal. Mas, por ter reconhecido em mim uma melhora nesse sentido, eu preciso acreditar que com as outras pessoas a mesma coisa pode acontecer. Eu realmente duvido que você que está lendo não tenha se enxergado em nenhuma dessas situações em nenhum momento de sua vida. E a pergunta que fica é: E aí? Você vai simplesmente deixar isso acontecer? Permita-se mudar de opinião! Isso não é vergonha nenhuma, pelo contrário, entendo que é uma amostra de força, de grandeza e humildade, de reconhecer que somos humanos e podemos estar errados, é normal que erremos de vez em quando. Estranho seria se nós não errássemos nunca. Se alguém te trouxer um argumento que você não sabe responder, seja humilde e reconheça que ali te falta um maior embasamento para responder. Acredite, vergonha muito maior você passa ao tentar obstruir o debate, dar desculpas esfarrapadas quando claramente o interlocutor percebe que você apenas está fugindo do tema, pois está desconfortável. Existe o benefício de você não ter que carregar uma opinião que você não sabe defender. Isso é muito estressante também. Aproveite e livre-se desse estresse! Até nisso mudar de opinião de vez em quando pode te ajudar. Ser essa metamorfose ambulante vai te fazer mais feliz, sentir-se mais livre e vai te permitir de quebra ajudar a construir um mundo melhor para se viver.

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