terça-feira, 27 de janeiro de 2015

Mudanças de opinião

Vocês já devem ter se deparado com uma situação em que você simplesmente desiste de um debate pois "nenhum dos dois vai mudar de opinião mesmo". Se você parar para pensar, é um absurdo lógico isso acontecer. O correto seria que se uma das partes apresentasse um argumento convincente, a outra reconhecesse que não tinha resposta para seu argumento e reconsiderasse sua opinião, ou, pelo menos, dissesse que precisava de um tempo para pensar melhor no assunto, ou humildemente reconhecesse que não tinha conhecimento suficiente para tratar desse assunto. Por que isso não acontece? Por que simplesmente resistimos com nossa opinião como se estivéssemos defendendo um castelo de um ataque? Quantas vezes nós já fizemos isso?

São diversos os meios pelos quais formamos nossas opiniões. Há aquelas que aprendemos em casa, por intermédio dos nossos pais. Aprendemos muito com nossos vizinhos, com nossos colegas de escola, professores, aprende-se na igreja, enfim, quase todas as nossas experiências deixam em nós uma marca de personalidade e de nosso modo de pensar. Quando crianças, aceitamos muita coisa. Somos uma esponja que absorve tudo ao nosso redor. Temos como referência principalmente nossos pais e professores, os adultos em geral oferecem-nos credibilidade, a TV também. Assim formamos um esqueleto de nosso modo de ser. Durante a adolescência nos tornamos um pouco mais rebeldes e passamos a questionar mais se alguma pessoa realmente sabe aquilo que ela alega saber. No entanto, continuamos precisando de uma referência, seja nos pais, na igreja, ou por muitas vezes nos amigos. Interessante que nesse momento da vida que estamos nos tornando adultos buscamos incessantemente definir quem realmente somos, qual a nossa personalidade. Nesse momento, a massa do cimento começa a endurecer. Opiniões fortes são sinais de maturidade. Você não aceita ser mais tão manipulável quanto antes. Perdemos um pouco a humildade nesse sentido. Como agravante a essa situação, temos o fato de nossa espécie padecer de um terrível defeito, o orgulho. Orgulhosos que somos, não gostamos nada de ficar por baixo e isso inclui vários aspectos da vida, inclusive os debates. É muito difícil para nós simplesmente dizer que não temos resposta para o argumento do nosso interlocutor. No calor do momento, tentamos desqualificar a pessoa, usamos argumentos escorregadios, vagos, frases de efeito, falácias óbvias. Por vezes arrumamos um jeito de encerrar a conversa para sair da situação desconfortável: "Tal coisa não se discute" diz aquele que não tem argumentos. Mudamos de assunto, desviamos o foco, obstruímos o debate, muitas são as técnicas para resistir. É a chamada postura defensiva. Outro fator agravante é a maneira arrogante com que muitas vezes o outro discorda de você. Quando isso acontece, nossa resistência natural a mudar de opinião aumenta ainda mais. Nesses casos, até quando percebemos que estamos realmente errados, recusamo-nos a reconhecer. É... Somos bem difíceis...

Parece-me que há duas razões que nos levam a agir dessa maneira. A primeira, como já falei, é o orgulho. A origem evolutiva dessa maneira de ser talvez venha de uma necessidade de autoafirmação. Para termos sucesso como espécie, precisamos confiar um pouco em nós mesmos, não? Faz sentido pra mim. A segunda razão é que algumas opiniões representam um alicerce muito importante na vida das pessoas, de tal modo que o próprio ato de colocar em questão essas opiniões causa um tremendo desconforto, suficiente para que mesmo que inconscientemente fujamos do assunto ou assumamos postura defensiva quando o mesmo está em pauta. Enxergo muito isso quando os temas debatidos são religião e política. Tanto um como outro costumam ter um peso enorme para que a pessoa possa definir quem ela realmente é. Desse modo, quando alguém de esquerda, por exemplo, tem suas ideias questionadas, é provável que ela sequer ouça bem os argumentos propostos. Ela simplesmente não pode correr o risco de mudar de opinião a respeito de um tema tão central em sua vida, isso a descaracterizaria. Não é simples para uma pessoa que ajudou a fundar o PT por exemplo, que levou talvez 20 ou 30 anos de sua vida lutando por uma causa, considerar que todo esse tempo estava do lado errado. Todos aqueles anos de sua juventude foram jogados no lixo? Só de pensar nisso, a pessoa sente arrepios, ela precisa sair desse território desconfortável, a angústia é grande demais. Assim, ela passa a apresentar em suas discussões os sintomas que apresentei no segundo parágrafo. Não é simples para uma pessoa que alicerçou toda sua vida na fé católica considerar que, de repente, tudo isso é uma grande mentira. O que ela provavelmente vai fazer é evitar considerar a possibilidade de mudar de opinião quanto a isso, vai buscar remendos argumentativos para tapar algumas lacunas, fingir que não está vendo outras lacunas que ainda estão abertas, tudo isso para que não seja necessária toda uma reestruturação de ideias que poderia facilmente levar a pessoa a uma profunda depressão. Gosto de usar uma analogia muito interessante que vi em um livro de Carl Sagan: É como uma pessoa que está sob um terremoto. É a sensação de duvidar do próprio chão em que está pisando. Deve ser horrível.

Outra coisa importante a levar em consideração é que na maioria das vezes não temos domínio sobre os assuntos sobre os quais emitimos opiniões. São tantos aspectos sobre tantos assuntos que é impossível conseguir tamanho repertório argumentativo. Por isso vejo pelo menos três tipos de opiniões: O primeiro é uma espécie de opinião por necessidade. Encaixa-se no que falei agora a pouco. Essa opinião é uma pedra fundamental em sua vida e questioná-la causa um grande alarde. Ex.: "A Bíblia é a fonte de toda a verdade". Outras opiniões podem ser consequência dessa como "Os homossexuais são uma abominação" e, por tabela, acabam sendo encaixadas também nessa categoria. Outro tipo de opinião que temos é a opinião por referência. Acontece quando adotamos como sendo nossa a opinião de outra pessoa que, na sua avaliação, não pode estar errada. Arrisco-me a dizer que aí está a grande maioria das nossas opiniões. Como disse, é muito difícil que saibamos tudo de tudo e, como aparentemente não gostamos muito de dizer que não temos opinião formada sobre um tema, assumimos como nossa uma opinião de uma pessoa ou mídia que para nós é uma referência. Por exemplo, a Veja, ou a Carta Capital emitiram opiniões distintas sobre o Marco Regulatório da internet. A maioria das pessoas não faz ideia do que é isso e de suas implicações, no entanto, elas acabam assumindo posições a favor ou contra baseado no que disse tal revista, ou tal colunista. Isso é muito comum. Na maioria dos casos a pessoa até se recusa a ler a opinião de outra mídia, prefere acessar apenas as mídias que lhe interessam. Muitas pessoas têm como referência os discursos do Malafaia, ou do Bolsonaro, ou do Lula, ou do papa, enfim, o fato é que na maioria das vezes, quando você vai ver, a pessoa não sabe realmente defender a sua posição com coerência quando confrontada com argumentos contrários e, mesmo assim, não arreda pé de sua opinião. Por fim, existem as opiniões por conhecimento de fato. São aquelas em que você realmente tem embasamento para defender suas posições com coerência. Você detém, de fato, em sua mente os argumentos necessários pra defender sua ideia. Parece-me que esse tipo de opinião é o que menos existe por aí, apesar de as pessoas mostrarem uma convicção incrível ao se posicionarem sobre diversos temas por aí.

É como se mudar de opinião fosse um sinal de fraqueza. As pessoas meio que têm vergonha de assumir que elas estavam erradas e as outras estavam certas. É uma "humilhação" pela qual elas não querem e não precisam passar. Basta que elas mantenham sua opinião intacta e pronto. Aparentemente elas não percebem o quanto parecem ridículas quando agem dessa maneira. Assim, discordar das coisas mais simples termina virando muitas vezes uma questão pessoal, de forma que, para evitar cicatrizes no bom convívio, as pessoas desenvolveram a cultura do não-debate. Pelo menos em grande parte dos círculos que frequento, essa cultura é bem difundida. As pessoas apresentam uma opinião pra você e logo em seguida dizem "é ou não é?". Você falar "não é" tem um peso de uma bomba de Hiroshima caindo sobre sua cidade. As pessoas te olham com espanto, elas não estão acostumadas a isso. Normalmente as pessoas simplesmente dizem "é" e pronto, alguns até chegam a interpretar a discórdia como desrespeito à opinião do outro. Creio que é extremamente prejudicial para nossa sociedade essa cultura do não-debate, pois entendo que é na discordância de ideias que conseguimos evoluir enquanto pessoas e assim ir aparando as quinas dos defeitos que nossa sociedade possui. Não imagino que possamos um dia chegar a um mundo perfeito, pois nós mesmos, seres humanos, somos imperfeitos, mas acredito que se existe por onde melhorar, o caminho é esse.

Então, eu defendo que ao nos deparar com opiniões contrárias, nós devemos nos posicionar no debate ao invés de nos omitir. É claro que há situações em que isso se mostra deselegante como quando a outra pessoa não está nem um pouco interessada em debater, dependendo da hora, do lugar, do clima, enfim, nesse caso forçar um debate é pedir para ser considerado um chato e para que o outro ative o nível máximo da sua postura defensiva. Por outro lado, se você busca se colocar de maneira respeitosa, na hora certa, quando sua opinião foi solicitada, suas chances (se é que há alguma) de conseguir talvez demover a opinião do outro são muito maiores. Fazer essa tentativa na hora errada, usando de ironia e de deboche, ao meu ver, só te faz parecer alguém que está tentando alimentar o próprio ego, pois essa postura em nada ajuda na mudança de opinião do outro, pelo contrário. Simplesmente é ineficaz se seu objetivo for angariar opiniões. Outra coisa: Por mais que seus esforços pareçam ter sido em vão em um debate, existe a chance de seu interlocutor apesar de resistente ficar com aquela "pulga atrás da orelha", assim, pode ser que ele não mude de opinião naquele momento, devido ao orgulho que sente, porém, pode ser que aquela mensagem fique e ele procure se informar mais depois, pode ser que ao se deparar outras vezes com a discordância, a pessoa termine convencendo-se, já que "água mole e pedra dura, tanto bate até que fura". Então, mesmo que você veja que a pessoa não mudará de opinião naquele momento, acredito ainda assim que vale a pena o debate respeitoso, nem que seja pra plantar a semente da dúvida na mente defensiva, no longo prazo talvez dê certo.

Pessoalmente, posso dizer que já pratiquei diversas dessas atitudes que mencionei nesse texto e não me orgulho disso. Tento me policiar para não praticá-las, mas não garanto que conseguirei sempre, pois entendo que, como ser humano, estou sujeito aos defeitos de minha espécie animal. Mas, por ter reconhecido em mim uma melhora nesse sentido, eu preciso acreditar que com as outras pessoas a mesma coisa pode acontecer. Eu realmente duvido que você que está lendo não tenha se enxergado em nenhuma dessas situações em nenhum momento de sua vida. E a pergunta que fica é: E aí? Você vai simplesmente deixar isso acontecer? Permita-se mudar de opinião! Isso não é vergonha nenhuma, pelo contrário, entendo que é uma amostra de força, de grandeza e humildade, de reconhecer que somos humanos e podemos estar errados, é normal que erremos de vez em quando. Estranho seria se nós não errássemos nunca. Se alguém te trouxer um argumento que você não sabe responder, seja humilde e reconheça que ali te falta um maior embasamento para responder. Acredite, vergonha muito maior você passa ao tentar obstruir o debate, dar desculpas esfarrapadas quando claramente o interlocutor percebe que você apenas está fugindo do tema, pois está desconfortável. Existe o benefício de você não ter que carregar uma opinião que você não sabe defender. Isso é muito estressante também. Aproveite e livre-se desse estresse! Até nisso mudar de opinião de vez em quando pode te ajudar. Ser essa metamorfose ambulante vai te fazer mais feliz, sentir-se mais livre e vai te permitir de quebra ajudar a construir um mundo melhor para se viver.

sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

Sobre as religiões e a existência de Deus. Minha visão atual

Antes de mais nada, gostaria de dizer que sei que estou entrando num tema delicado para diversas pessoas que prezo muito entre amigos e familiares e peço compreensão para que não julguem que estou desdenhando das suas capacidades de tirar conclusões. Pessoas diferentes têm visões diferentes sobre diversos aspectos da vida e este é apenas mais um caso. Serei o mais respeitoso possível na minha abordagem e espero realmente que não tomem minhas opiniões sobre alguns modos de pensar como algo pessoal. Busco aqui um debate aberto e adulto sobre o tema, porque tenho convicção que religião se discute sim. Se alguém que me lê agora acha que religião não deve se discutir, se acha que minha posição ateia (sim, porque eu sou ateu) vai invariavelmente causar algum problema entre nós, que independente do que ler aqui não vai mudar de posição mesmo. Peço que não continue a ler. Não quero criar problemas com ninguém, nem me proponho e falar para uma pessoa que não está interessada em ouvir o que tenho a dizer. Esse texto destina-se a ateus e a religiosos que estão dispostos a debater saudavelmente sobre os temas em questão, que são a religião e a existência de Deus.

Em segundo lugar, no título eu expus que o conteúdo desse texto é minha visão atual, o que obviamente é uma redundância. Mas mesmo assim eu quis colocar pra enfatizar que por diversas vezes tive mudanças na minha visão sobre o tema, nem sempre eu pensei como penso hoje e nada garante que pensarei assim também amanhã, desde que me convençam com bons argumentos porque estou pensando errado. Minha visão atual não é a mesma de 2010, que não é a mesma de 2005, que não é a mesma de 1998. É possível mudar de ideia sobre qualquer tema quando se encara o assunto com a mente verdadeiramente aberta, inclusive quando se trata de religião.

Bem, sem mais delongas, eu enxergo "discutir religião" em duas principais temáticas. A primeira é: "Existe realmente algo que possa ser chamado de Deus?" e a segunda: "A religião é algo benéfico para o indivíduo e a sociedade?". São duas questões diferentes. Deus não existir não implica necessariamente que ter uma religião seja algo ruim. A religião ser algo bom não implica necessariamente que Deus existe. Então, vou dividir em duas etapas esse texto. Primeiro falemos sobre a existência de Deus.

E aqui vai um fato: É impossível provar que Deus não existe. A ideia de Deus não é científica. Não é possível realizar qualquer experimento que ateste a não existência de Deus e perceba que não estou dizendo que ainda não foi pensado nenhum modo, não existe, nem nunca existirá um modo de fazer isso porque a ideia de Deus é escorregadia. Por mais que se argumente das preces não atendidas, das incoerências bíblicas e de quaisquer incoerências de qualquer religião, sempre pode-se usar um argumento escorregando da resposta como: "Nós humanos não somos capazes de entender os desígnios de Deus" ou "Na verdade Deus não quis dizer isso que está escrito, mas na verdade isso que estou interpretando. É uma questão de interpretação" ou "isso na verdade é uma metáfora" e por aí vai... As possibilidades são muitas e são bastante criativos os malabarismos interpretativos utilizados. O fato é que ninguém pode ter certeza absoluta que Deus não existe. Da mesma forma que ninguém pode ter certeza absoluta que a fada do dente não existe, nem o Saci Pererê, nem Zeus, nem Shiva, nem Alá, nem o Curupira. Mas nem por isso eu sou obrigado a respeitar a opinião de quem acha que o Saci Pererê realmente existe. Ele pode existir, mas que evidências existem de que isso é verdade? Nenhuma! Minha observação das evidências e a da maioria das pessoas diz que isso não passa de uma invenção, de uma história fantasiosa. E agora eu pergunto: Que evidências realmente existem de que Deus é real e não puramente obra da nossa imaginação? Você então pode dizer: Muitas! Eu sinto no meu coração que ele existe, conheço uma pessoa que foi curada de uma doença sem cura, as aparições de nossa senhora, a Bíblia é uma prova, muitas pessoas tem seus relatos, o Santo Sudário, etc. Sinto muito, mas essas "evidências" não são suficientemente confiáveis. Deus é uma hipótese extraordinária, e, portanto, carece de evidências extraordinárias. As evidências corroborativas daquilo que se afirma precisam estar na proporção exata da violação da probabilidade do que se afirmou. A evolução das espécies é uma evidência extraordinária, porém existem fartas evidências extraordinárias de que a evolução realmente aconteceu. No caso de Deus, essas evidências são precárias. Um relato pessoal não é confiável. Pessoas mentem, têm alucinações, se enganam. Pessoas tendem a crer naquilo que elas querem acreditar e às vezes terminam por ver Jesus numa torrada, ou numa nuvem. Então, evidências anedóticas não podem sem consideradas confiáveis, é até esperado que aconteçam pois é normal acontecerem alucinações, mentiras de boa ou má fé, é normal as pessoas verem aquilo que querem muito ver. Sentir no coração também não é prova. Essas curas incríveis relatadas precisam ser analisadas pela ciência. Médicos erram também. Doenças incuráveis podem na verdade não ser, a pessoa pode ter passado por um fenômeno não conhecido ainda pela ciência e isso não quer dizer que esse fenômeno seja sobrenatural. Quais as reais evidências dessas curas milagrosas? Alguém se propôs a publicar isso em alguma revista científica com exames antes e depois da cura bem documentados? As evidências desse tipo estão muitas vezes baseadas em relatos precários e dados insuficientes para uma análise científica bem fundamentada. Não dá pra dizer que essas são evidências fortes. Coincidências não são prova de nada, elas acontecem e têm que acontecer! Ganhar na mega-sena da virada pode ser uma coincidência, é realmente muito difícil você acertar as 6 dezenas, mas a chance de alguém ganhar na mega-sena da virada já não é pequena, é provável que alguém ganhe, já a chance de ninguém ganhar na mega-sena em todo o ano de 2015 é praticamente impossível! Então, perceba que as coincidências vistas pontualmente parecem impossíveis, mas vistas num quadro geral, é esperado que elas aconteçam muitas e muitas vezes na vida das pessoas nas mais diversas situações do dia-a-dia. As aparições de Nossa Senhora também são evidências anedóticas, relatos sem confiabilidade alguma. Um fato extraordinário desses precisa de uma evidência extraordinária pra eu acreditar. Os fósseis numerosos são evidências extraordinárias da evolução das espécies, por exemplo. O Santo Sudário passou por estudo de datação por 3 universidades diferentes e independentes e todos atestaram que o tecido era da Idade Média e ainda tem gente hoje que acredita que aquele tecido é a mortalha de Jesus! São muitos os exemplos desmascarados que nem dá pra citar todos aqui, mas evidência boa mesmo não existe. Estarei aqui aguardando mais opções de evidência que não inclua "você precisa ter fé" após a apresentação delas. A Bíblia é um livro sagrado? Por quê? Realmente você não acha mais provável que esses livros da Bíblia tenham sido escritos por homens ou mulheres comuns sem qualquer inspiração divina baseado nas crenças e superstições do seu povo naquela época? Aponte-me uma única evidência que o faz acreditar que o que está escrito na Bíblia realmente tem esse teor sagrado. Não existe! Desculpem-me, mas essa é uma hipótese risível para qualquer análise minimamente cética. Vou oferecer a vocês uma hipótese mais aceitável. Um exemplo: Diversos povos do mundo inteiro tinham suas crenças e os judeus eram apenas uma dessas, isso é um fato. Esse povo tinha seus mitos de criação e suas histórias e em certo momento resolveu documentá-las nesses textos que um belo dia foram compilados nesse dito livro sagrado. A religião católica apoiada pelo então imperador Constantino, que aderiu a religião, tornou-se a religião oficial do império romano, o que contribuiu fortemente para a sua disseminação em toda Europa. A "Bíblia Sagrada" tinha agora o apoio do Estado para se dizer sagrada e assim as pessoas eram ensinadas. Sem contestar. Porque contestar era perigoso, você poderia ser considerado herege, ou pior, ir para o inferno, ter fé em vez de ser considerado uma atitude ingênua era considerado uma virtude e assim educou-se gerações e gerações ensinando que a Bíblia era um livro sagrado quando, na verdade, não existe qualquer evidência disso! Essa hipótese realmente não é mais plausível pra você? Enfim, Deus pode até existir, mas não existe nada no mundo inteiro que aponte para que isso seja verdadeiro. Da mesma forma que nada aponta que o Alcorão seja verdadeiro, nem nenhuma religião, nem nenhum outro deus de nenhuma outra cultura. Se você nasce no Rio Grande so Sul você provavelmente vai torcer pro Inter ou pro Grêmio; se nasce em Pernambuco, deve provavelmente escolher Santa Cruz, ou Sport ou Náutico; Se nasce no Rio deve escolher entre Botafogo, Fluminense, Vasco ou Flamengo, assim também funciona a religião. O Deus que você acredita provavelmente é uma escolha cultural, basta ver a demografia das religiões no mapa do mundo. Não é esperado acreditar que todos esses deuses sejam na verdade fraudes? Obras da imaginação das culturas humanas? Você religioso é ateu a todos os outros deuses, menos o que você foi ensinado a acreditar. Eu sou ateu a um deus a mais que você. Mas aí você pode dizer: "Ah, mas se não existe nenhum Deus, como você existe?" Você está provavelmente insinuando que alguém sempre tem que criar alguma coisa, no caso o mundo deve ter sido criado por alguém... Mas então, quem criou Deus? "Ah, mas Deus sempre existiu", então, vamos pular uma etapa! Se é pra dizer que algo sempre existiu, porque não dizer que o universo (que estamos vendo) sempre existiu? Porque criar esse atravessador totalmente desnecessário para a nossa hipótese? Aplicamos a Navalha de Occam em diversos aspectos de nossa vida, por que não nesse?

Eu entendo que nossa espécie passou, desde os primórdios da pré-história, por diversas questões sem explicação. Como: Por que chove? O que são esses relâmpagos? Como surge o fogo? O que é o Sol? E eles não tinham a resposta dessas perguntas, nem tinham como ter. É totalmente normal que criemos respostas para explicar aquilo que não sabemos o que é e assim o surgimento das religiões e da crença em um ou mais deuses era um evento comum e esperado em todas as culturas, mas ano após ano, especialmente após o desenvolvimento do método científico, as respostas dadas a essas perguntas mostraram-se totalmente erradas e isso vale para TODAS as crenças, nenhuma acertou porque chove, nem o que é fogo. Sempre havia um deus que providenciava esses eventos. Até hoje muita gente acredita que pode chover ou não amanhã dependendo de reza. Será que não tinha ninguém rezando pra chover em São Paulo nessa última seca de 2014? As respostas que ainda não foram desmascaradas foram apenas aquelas que não tem como se testar, é isso. Não há como testar se Deus existe, mas uma coisa é certa: Tudo se passa no universo como se ele não existisse. Nenhum evento observado no universo, por mais que ainda não tenha explicação, PRECISA da hipótese de deus para ser explicado. Por isso eu sou ateu. Não tenho a certeza absoluta de que ele não existe, apenas tenho e convicção de que a chance de ele existir não é maior do que a do Saci Pererê.

Gostaria de falar agora sobre o que penso a respeito dos benefícios e malefícios das religiões. Dizer que a religião não traz nenhum benefício para o seu adepto é, no mínimo, um atestado de cegueira ou fanatismo. Os benefícios causados pela religião em muitas pessoas são diversos. Por exemplo: Uma pessoa religiosa tem muito mais chance do que um ateu de se recuperar de um vício, por exemplo. Não porque Deus está atuando, mas muito provavelmente porque acreditar que existe um deus te ajudando te dá força para acreditar que conseguirá vencer. Os efeitos da fé na nossa mente são comprovados e inclusive são considerados nas pesquisas científicas sérias. É o chamado efeito Placebo. Por exemplo: se queremos saber se determinado remédio é um bom analgésico separamos dois grupos de pessoas com dor, 100 pessoas em cada grupo por exemplo, e fazemos o tratamento com analgésico num grupo e um tratamento com farinha de trigo no outro. Sem que o outro grupo saiba que está tomando, na verdade, farinha de trigo em comprimido. Mesmo que o remédio não funcione, é esperado que alguns indivíduos de ambos os grupos reportem melhora devido ao efeito placebo, por acreditar que estão realmente tomando um remédio efetivo. Para que o analgésico seja considerado efetivo ele deverá apresentar desempenho melhor do que puramente o efeito placebo do outro grupo. 95 melhoras no grupo A e 10 melhoras no grupo B, por exemplo. Então, o efeito placebo é real e não precisa de Deus pra explicá-lo. É o mesmo "princípio ativo" da homeopatia e de diversos outros tratamentos alternativos que existem por aí. E como encarar o fato de que vamos morrer um dia sem o alento da possibilidade de vida após a morte? Poucos sentimentos são mais atormentadores que esse. Talvez a perda de um ente querido. Um pai, uma mãe, um filho, um grande amigo e mais uma vez a religião se mostra uma ferramenta incrível para amparar os seres humanos, para a difícil aceitação da temível realidade. E como quantificar as pessoas que estão deixando de praticar "o mal" devido os preceitos de suas religiões? Muitas talvez, a julgar pelo que ouço quando digo que sou ateu. Enfim, vejo esses benefícios. Um cético não poderá gozar do efeito placebo, não por esse motivo da fé. Um cético terá a duríssima missão de lidar com a realidade nua e crua de que morrerá e não restará nada depois, de que seus entes queridos não estão indo para um lugar no céu, de que o mundo é injusto e não há justiça divina pra corrigir isso depois. São ideias difíceis de aceitar, pois não é isso que queremos! No entanto, o fato de querermos muito uma coisa não torna essa coisa real.

E quais os malefícios da religião? Ela é realmente inofensiva? Primeiramente, gostaria de falar um pouco sobre ceticismo. Nós todos somos céticos em algumas coisas. Se formos comprar um carro usado, acendemos o alerta vermelho. Será que não é um mau negócio? Será que esse cara que está me vendendo merece confiança? Será que o carro não está vindo com algum problema? Você está praticando o ceticismo! Você seria capaz de deixar seu filho com uma pessoa estranha? Não, porque você desconfia que a pessoa pode não ser boa. Se alguém te pede os seus dados bancários por telefone porque você ganhou 40 mil reais numa promoção, você dá? Não! Então aplicar o pensamento cético em nossas vidas evita que sejamos enganados rotineiramente. O antônimo do ceticismo é a fé. É acreditar em algo sem a necessidade de que sejam apresentadas evidências de que esse algo é verdade, de que esse algo aconteceu, acontece ou acontecerá. Que ideias se podem defender usando a fé como argumento? Qualquer uma. Se você não precisa demonstrar que sua tese está correta porque a fé já basta, então o que impede que alguém defenda algo totalmente absurdo? Nada! "Apenas acredite e ponto, tenha fé!". A fé é uma carta branca para que se acredite naquilo que não tem explicação, logo, é algo perigosíssimo. Não temos nenhuma garantia de que a pessoa que reivindica a fé de seus seguidores está defendendo algo que é bom, ou ao menos que tenha lógica. Eu absolutamente não gosto nada de saber que há um grande número de pessoas que não precisam de nenhuma justifica, além da fé, pra defender as suas posições, porque é muito difícil mudá-las, por mais que você mostre todas as evidências de que há algo muito errado naquele pensamento, ela não vai processar a sua argumentação porque não é nisso que ela quer acreditar. Porque é basicamente isso que acontece. Nós seres humanos e, claro, estou me incluindo, temos a tendência a acreditar naquilo que queremos. Não só na religião, como na política ou até nos relacionamentos, em tudo. Oferecemos tremenda resistência a ESCUTAR uma ideia que não nos agrada porque isso nos faz infelizes. Imagina uma pessoa que está em meio a um terremoto, quando ela põe em dúvida o próprio chão em que pisa. A sensação deve ser aterrorizante. Pois deve ser assim que se sente aquele que põe em dúvida um pensamento que serviu ou serve de alicerce para a sua vida! Falar para alguém extremamente cristão, que teve algumas experiências que ele julgou sobrenaturais ou espirituais devido a sua crença, sobre a não existência de Deus não é a mesma coisa que falar com uma pessoa que não "passou por essas experiências". Esse tipo de evento é extremamente relevante na vida de uma pessoa, talvez até dê sentido a vida dela, durante toda a sua vida ela se comportou como se Deus existisse. Essa pessoa não vai analisar os argumentos de maneira imparcial, não é problema de inteligência. Às vezes é, mas a maioria das vezes não. Na maioria das vezes as pessoas simplesmente foram condicionadas a agir daquela maneira, é um defeito de fábrica do ser humano. Se eu tive a coragem de encarar essa questão de Deus, isso não significa que sou mais inteligente que ninguém. Significa que eu não passei pelas mesmas experiências e pelo mesmo condicionamento que o outro passou, e, portanto, tive mais facilidade pra analisar os argumentos de maneira cética. Isso vale para política também. Alguém que sempre foi de direita tem dificuldade em ouvir o que alguém de esquerda defende e alguém que sempre foi de esquerda tem dificuldades em analisar o que os de direita tem a defender. Muitos cônjuges traídos têm dificuldades em acreditar que seu parceiro o está traindo, a despeito das evidências. Isso abala muito as estruturas da vida de uma pessoa apaixonada e cuja vida gira em torno do cônjuge, não é fácil encarar. Por isso, se vocês me acharam arrogante até aqui em meus argumentos, peço que reconsidere. Não estou desdenhando da inteligência de ninguém, pelo contrário, avalio que o principal fator que permite que tenhamos tanta divergência de interpretação diante dos mesmos fatos não tem nada a ver com inteligência e sim com eventos que passamos na vida aliados a nossa tendência de não por em cheque nossas pedras fundamentais.

As pessoas quando aceitam se colocar em uma situação de argumentação contrária a sua "ideia sagrada" costumam assumir postura defensiva. Elas não analisam os fatos apresentados e tiram a conclusão mais plausível deles, como deveria ser. Em geral tenta-se compreender a realidade de maneira que os fatos se ajustem àquilo que eles querem que seja verdade, daí surgem magníficos malabarismos interpretativos de textos bíblicos que são de arrepiar os pelos de qualquer cético. A Bíblia, por sinal, é um livro extremamente confuso em que fala-se de amor mas fala-se de vingança, de abominação aos homossexuais e de histórias hilárias como a Arca de Noé. O que se deve levar a sério nisso tudo? Em geral as pessoas pegam as partes legais e fingem que não leram (se é que leram) as partes da Bíblia que não lhe interessam. Muito conveniente. Não me surpreende que haja tantas igrejas que usam a mesma Bíblia e defendem coisas totalmente diferentes, o livro parece que é feito pra confundir em vez de explicar. Eu não vejo erro de interpretação nenhum em alguém que diz que os homossexuais são uma abominação baseado na Bíblia. Está escrito lá. Eu só me pergunto (e me lamento) o que faz essa pessoa estar levando aquilo que está escrito como sendo sagrado? É muito triste saber que argumentar com essas pessoas é quase sempre inútil, pois essa é uma pedra fundamental de suas vidas. Por sinal, nosso país tem tido um avanço muito grande (e temerário) de igrejas fundamentalistas. Muitas delas exploram até onde podem seus fiéis, em geral pobres. Eles, indefesos, pois estão ancorados na armadilha da fé, caem como patinhos nos golpes de seus carrascos que lhe subtraem não só seu dinheiro, mas também sua vida. Muitas dessas igrejas têm projeto de poder e a bancada religiosa está aí para quem quiser ver. Seria tão bom se não fôssemos tão facilmente enganáveis... Acreditamos em pastores, tarô, astrologia, cura por cristais, visitas de extraterrestres, videntes e médiuns e que evidências eles têm pra nos mostrar? Nenhuma! Nenhuma/mísera/evidência! É tudo baseado na fé e na credulidade do ser humano. Quando mais crédulos formos, mais facilmente seremos enganados por charlatões. Sabem por que a ciência, apesar de imperfeita, tem tido tanto sucesso? Porque pratica-se o ceticismo. Somente isso. Não há espaço para afirmações sem provas, sem evidências. Um charlatão pode até entrar nesse ramo, mas dificilmente resistirá. Os bombardeios de questionamentos e dúvidas vêm de toda parte, se sua ideia não tiver base, ela cai. Não existe piedade de ideias na ciência, é todo mundo querendo derrubar sua tese e você terá que mostrar evidências se quiser mantê-la de pé. Por isso vejo religiões como algo maléfico. Porque elas nos ensinam justo o contrário do que deveria ser ensinado. Elas nos ensinam a ter fé, quando o correto, ao meu ver, é aprendermos a ser céticos, para que tenhamos muito pouca chance de cair nas garras de um charlatão carismático qualquer, que usa a fé como ferramenta de dominação. Isso é muito perigoso. Lembre-se que o charlatão pode não ser apenas um pastor usurpador de dinheiro, pode também ser alguém com projeto de poder. E se essa pessoa tiver adeptos suficientes, com fé suficiente dos seus seguidores, pode causar vários estragos a toda humanidade. A religião pode também servir como instrumento de dominação no sentido de que quando aceitamos nossa condição de injustiça como uma vontade de Deus, estamos sendo desencorajados a lutar pela justiça aqui na Terra, muitos são os instrumentos das várias religiões do mundo para manter seu povo sob controle.

Eu compreendo a necessidade de nossa espécie de se espiritualizar. É normal sentir o vazio de que falta algo a ser dito, uma falta de paz e talvez eu não tenha nada a dizer sobre isso. O que sei é que a palavra espírito vem do larum "spiritus" que significa respirar. Nós respiramos ar. Ar é obviamente matéria. Então, penso que o objeto de sua espiritualização pode não ser necessariamente algo sobrenatural, mas de repente algo material. Entender a beleza da vida no amor de pai pra filho, num gesto de caridade com um desconhecido, num sorriso de um bebê, ou até mesmo admirar tudo que o ser humano já aprendeu. Sua matemática, sua ciência, admirar o fato de sermos descendentes de bactérias de bilhões de anos atrás, admirar o fato de sermos um ponto ínfimo em toda a imensidão das distâncias astronômicas do cosmos. Há tanta coisa terrestre e material que pode nos fazer transcender. Não precisamos de Deus pra isso, nem de nada sobrenatural. Precisamos apenas de nosso corpo e mente. Nada mais.

Muita gente levanta o fato de que a religião faz com que as pessoas pratiquem o bem e isso é verdade, mas também é mentira. Principalmente se levarmos em consideração que sua religião não é a única do planeta, mas apenas uma de milhares. Se tratarmos das religiões cristãs, quanto mal já se praticou em seu nome? As Cruzadas, a Inquisição, a condescendência com a escravidão. Quando me lembro que a "Santa Inquisição", supostamente inspirada pelo divino, condenou Giordano Bruno à morte por dizer que o universo era infinito me dá um embrulho no estômago. Galileu Galilei, por sua vez, só não teve o mesmo destino porque renegou suas ideias, o que ele dizia? Que a Terra girava em torno do Sol. Quantas bruxas não foram caçadas e levadas à fogueira? E hoje, o quanto de ódio não se prega por aí nas diversas igrejas espalhadas pelo país? Malafaia, Feliciano, cidadãos poderosos, com muitos seguidores e dinheiro. A moral cristã e de qualquer religião é sujeita a falha como qualquer moral de qualquer ser humano. Eu tenho a vantagem de meus fundamentos morais não estarem baseados num livro escrito na Idade do Bronze, quando tudo era muito diferente. Mas tenho a desvantagem de não ter medo de nenhum castigo divino. Mas a pessoa que pratica o bem pelo medo da fogueira do inferno é realmente boa? Princípios de bom convívio e de amor podem ser ensinados sem a necessidade de qualquer religião. "Não faça para o outro aquilo que não queres que façam para ti" pode ser ensinado a qualquer criança sem precisar falar do "papai do céu".

Concluindo, na minha opinião, a ideia da existência de qualquer deus é extremamente improvável e fantasiosa dadas todas as evidências apresentadas até o momento. Respeito todas as pessoas religiosas, tenho amigos e familiares que possuem suas crenças e não quero que nenhum deles fique com raiva de mim por ter expressado meu ponto de vista, as pessoas são muito mais do que suas crenças. Por outro lado, não posso negar que há sim pensamentos religiosos que considero esdrúxulos, ridículos e infantis e não considero que é correto de minha parte dizer que respeito determinada ideia quando na verdade o que penso sobre ela é diferente do que falo. Não penso que eu deva respeito a nenhuma ideia e religião não está imune a isso. Se considero um discurso racista ridículo, preciso ter o direito de dizer isso. Se considero um discurso do Malafaia ou do Papa ridículos, preciso ter o direito de dizer também. Falei especialmente aqui das religiões cristãs, mas meu raciocínio se aplica a qualquer religião do mundo, inclusive aos teístas sem religião. Apesar de entender que a religião em seu cômputo final causa mais mal do que bem ao mundo, eu estarei absolutamente ao lado de vocês religiosos se alguém quiser os proibir de exercer suas crenças. Os debates de ideias devem ser travados no campo das ideias, sempre com respeito às pessoas, mas não necessariamente com respeito às ideias. Anseio com o dia em que vivamos num mundo com menos superstição e mais racionalidade, pois, com os seres humanos livres para exercer sua razão, sem qualquer espécie de barreiras que possam impedir que as ideias transitem e surjam livremente, eu vejo que a humanidade só tem a ganhar.

sexta-feira, 9 de janeiro de 2015

A revista Charlie Hebdo fez certo em não se calar.

Tenho visto alguns comentários a respeito do atentado terrorista na França ocorrido 3 dias atrás que me deixam triste. São comentários do tipo: "Repudio os terroristas, mas bem que eles podiam ter respeitado a religião dos outros" ou "É uma desumanidade, mas eles tiveram culpa também. Acharam o que procuraram, as charges são desrespeitosas". Enfim, vocês entenderam. Sobre isso, quero tecer alguns comentários.

Primeiro, sim, há um risco em mexer com Maomé ou com qualquer símbolo de qualquer extremista maluco e eles sabiam o risco que estavam correndo, tanto é que havia senha pra entrar no prédio da redação e eles tinham seguranças. Mas eles resolveram correr o risco corajosamente. Por quê? Porque o que estava em jogo não era apenas algumas brincadeiras pesadas. O que estava em jogo era a liberdade de expressão! Se após as ameaças os caras tivessem fechado o bico, sabe o que aconteceria? Aconteceria que os vilões teriam vencido! Significaria que vale a pena ameaçar para suprimir a liberdade de expressão dos outros e isso a gente não pode tolerar. Se abrimos mão do que podemos dizer, abrimos mão da nossa liberdade, abrimos mão de tudo que importa!

Se tem uma coisa pelo que temos que prezar é pelo direito de tudo dizer, de tudo debater. Eles não podem vencer nesse ponto. Nós é que temos que vencer e eles precisam se civilizar e isso significa aprender a lidar com críticas e (por que não?) provocações, como todo ser humano civilizado adulto. "Ah Vinícius, mas você viu as charges? Eles exageraram! Tudo tem que ter limite." Sim, eu vi as charges e, sim, na minha opinião eles exageraram em algumas. Mas aí eu pergunto: E daí?. E daí se eles exageraram?? Eles estavam no direito deles! Todo mundo tem que ter o direito de achar qualquer ideia absurda e, se quiser, ridicularizá-la. Não estou aqui entrando no mérito de se essa é ou não a melhor estratégia para lidar com o debate, se é mais eficaz no seu objetivo de defender sua posição e conquistar novos adeptos. Isso não interessa. O que interessa é que a pessoa tem o direito de se posicionar do jeito que quiser sobre o tema que quiser. Não pode haver temas tabu. Tudo tem que ser discutido. Tudo tem que ser questionado. Todas as ideias são passíveis de serem ridicularizadas e não devemos ver nenhum problema nisso. Eu devo respeito às pessoas, até o momento em que elas façam alguma coisa para perder meu respeito por elas. Mas não às suas ideias! Eu não devo respeito a nenhuma ideia. O nazismo é uma ideia idiota pra mim e eu tenho total direito de ridicularizá-lo. Astrologia é uma estupidez pra mim e eu tenho total direito de zombar de astrologia o quanto eu quiser com a intensidade que eu julgar necessária. Por exemplo: Se alguém de esquerda quer ridicularizar as ideias de direita numa charge, numa crônica, num artigo de opinião. Faça! Se alguém de direita quer ridicularizar as ideias de esquerda numa charge, crônica ou no que diabos for. Faça! Se algum teísta quiser zoar as ideias ateias, céticas. Dizer que são absurdas, risíveis, ridículas. Faça. Faça sem pena! Use seus argumentos. Tire onda pesada se quiser. Você está no seu direito de atacar ideias com todo seu arsenal pesado. Se algum ateu quiser zoar as ideias religiosas, se quiser atacar seu dogmas, suas filosofias, seu modo de pensar, se quiser fazer piada com Adão e Eva, com Nóe, com Jesus, com Alá, com Buda e o caralho. Faça! Você não tem que ter pena de nenhuma ideia, nem de nenhum modo de pensar. Não podem existir tabus. Nenhuma ideia é "café-com-leite" nessa brincadeira. Se o modo de pensar for forte, correto ou coerente, ele resiste com os seus argumentos a qualquer ataque, se não for, ele cai, e pronto. Tabus são uma desgraça para o mundo. Ideias não discutidas são a pior tragédia que pode acontecer para a humanidade. Porque quando a discussão e o ataque aos modos de pensar são suprimidos, então o debate morre. Nada se aprende e perdemos a capacidade de criticar. O resultado disso são pessoas incapazes de discutir coisas simples, pessoas que só aprendem a dizer sim e não, que defendem "não-sei-o-que" não sei por que. E as consequências disso são as trevas. É a inquisição, é a ditadura, é o preconceito infundado, é o mundo inerte.

"Penso, logo existo", dizia Descartes, então pensemos, discutamos, não nos calemos. Isso é o que faz a gente ir pra frente, o mundo ir pra frente ao invés de ir pra trás. A religião especialmente reivindica muito essa questão do respeito, as pessoas levam pro lado pessoal. Mas a religião é uma filosofia, uma ideia, um modo de pensar. Ninguém deve respeito a ideia nenhuma. Se não gostou dos meus argumentos, devolva-os. Se não gostou da minha piada com seu modo de pensar, mostre onde falho no meu raciocínio. O que você teme no debate? Mostre minhas falácias. Faça sua piada também! Só não venha me pedir pra que eu não discuta uma ideia, pra que eu deixe ele quieta. Por que aí, nesse momento, eu vou dizer: - "Je suis, Charlie!" E eu não vou me calar. Chega de supressão ao debate. Viva as estradas livres e os sinais verdes para toda discussão de ideia por qualquer meio que seja, de qualquer modo que seja. Aí sim teremos um mundo melhor.

****Ps.: Não sei se é pedir demais, mas, não levem pro lado pessoal. Isso é apenas uma opinião e se não concorda, responda. Se quiser faça uma piada provocante com minha ideia. Prometo que não vou levar pro lado pessoal. Ideias existem para serem postas a prova mesmo. ;)****